quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Vidro escuro que dança na alma

Hoje eu vomitei a minha desgraça. Fiz uma promessa para com o vento, que gentilmente me acariciava. Vomitei minhas mágoas também, dentro de uma garrafa de vidro escuro. Balancei minhas mãos e desenhei um abraço no meio do céu. A chuva acolheu.As lágrimas (as do céu e as dos meus olhos) invadiram minha desgraça, minhas mágoas, minha raiva desnecessária. Fez uma mistura cor de arrependimento e deixou toda a garrafa cheia. Meu dedo virou tampa. Tampei aquela alma cortante, que dançava pelo vidro e chamava meu coração. "Vem, vem dançar comigo. Tu sempre gostou de me acompanhar. Vem, vem dançar comigo." Minha boca se contorceu e meu cérebro torceu-se no mesmo compasso.

As lágrimas cederam. As do céu e as dos meus olhos. As duas secaram nos meus sapatos, deixando pequenas marquinhas memoráveis de uma intervenção. Tal intervenção que fez com que meus dedos do pé parecessem com ameixas – roxos e congelados. Mas meu peito parecia moradia do Sol. Minha alma suava, e eu estava perdida, pois me desprenderia de tanta babaquice. Aquela garrafa simbolizava muitas partes minhas. E eu posso assegurar: livrar-se de si mesmo não é fácil. Livrar-se de algo que você cuidou tanto, apreciou tanto... Beijou, esquentou, cobriu com as estrelas cadentes da saliva, definitivamente não é uma tarefa supérflua. Muito menos simples.Depois de um tempo, aprendi que se eu lidava comigo mesma, lidava com complexidade. O caos tão absoluto, que compunha as melodias mais belas. Que me compunha...Segurei com toda a força que ainda tinha na outra mão e taquei a garrafa contra um tronco de árvore podre. Ela quebrou e molhou a grama em volta, com cor de realização e saudades. Mais um novo buraco.

Senti as mãos longas nas minhas costas nuas, empurrando meu corpo quebrado contra o chão. Ele abaixou seu rosto como sempre fazia, apoiando todo seu peso nas minhas pernas:“Tu me lembra a merda que eu pisei hoje. Insistente, suja, inútil. É só o resto que alguém abandonou. E que eu não me canso de pisar, fedido.”O meu buraco encheu um pouco. Eu não transbordei, e sorri porque tinha conseguido passar por isso novamente.

Três garrafas. Três buracos. Talvez eu desapareça antes do imaginado.

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