Lembro-me do céu estar com uma coloração marcante, um misto de rosa, amarelo e púrpura. De fato, a visão de onde eu estava era de tirar o fôlego. Anoitecia rapidamente, mas eu pude aproveitar. Não importava para que lado eu olhasse, era apenas um vasto campo verde. O gramado se movimentava conforme o vento, e este o comandava para o norte. Recordo-me da brisa gélida, típica de outono, colidir com a minha nuca, fazendo com que cada pêlo desta se enrijecesse. Era uma sensação singular, estar lá, no centro de um imenso nada. É, nada. Por dentro e por fora, eu estava no nada. Aos poucos, as estrelas nasciam naquele espaço ilimitado, a Lua se tornava mais evidente e eu continuava com a minha viagem, eu rondava o mundo em minha mente. Por vezes, fiz paradas em pessoas, outras, em situações, e confessando, na maioria, eu apenas divaguei em memórias. Eu abraçava meus joelhos, em uma espécie de casulo, eu me mantinha fechada, talvez me preparando física e mentalmente para a grande revolução. Nada seria como era antes, disto eu estava certo. Era primavera, e mesmo com a noite engolindo o que havia restado de meu corpo ali presente, as cores cintilavam, e não estavam errados ao dizerem que a primavera é, de fato, a época das flores. A flagrância era entorpecente, ao mesmo que oferecia uma sensação serena. Em pouco tempo, me flagrei completamente esticado no amplo gramado, os braços e pernas estentidos; já não conseguia mais ver as estrelas, nem a lua, não sentia mais a brisa tocar minha nuca. Tudo seria inteiramente diferente à partir daquele dia, eu sabia. Meu dedo, eu me recordo, ainda não havia se acostumado com o objeto prateado ao redor dele, não havia se acostumado com a pressão do mesmo. E era realmente pesado, pois fora fabricado para e com muito amor. O gosto das bebidas ganhariam um sabor mais doce, as pessoas se tornariam irrelevantes, o mundo se transformaria em um ótimo lugar para se viver em. É, tudo seria diferente. Eu nunca mais seria a mesma, eu nunca mais teria a mesma. E contudo, eu estava feliz. Eu estava transbordando, afogando-me em alegria, em satisfação. Apesar disso, eu estava completamente apavorada, era inevitável, eu estava amedrontada. Mais uma vez, o campo reaparece, e me mostra que eu ainda estava ali, e que meu presente e meu futuro já estavam de certa forma, formados. A lua parecia me observar, o silêncio era reconfortante, e eu me sentia aconchegada naquele lugar. Eu me sentia compatível ao nada. O que fiz de tão certo para merecer isso? Logo, escuto passos. Eu deveria correr, ou ao menos me assustar, mas não. Eu continuei ali, estendida, sendo devorada pelo tempo, pela noite. O som se aproximava, se tornava mais alto até que é, o silêncio estava voltando. Minha visão estava integramente distorcida, tudo possuía um brilho maior, descomunal. Mesmo com isso, eu o reconheci, reconheci o vulto postado acima de meu corpo deitado, ele me observava, e continha um sorriso. Eu juro, poderia vê-lo daquela forma, naquela noite, aquela cena, para sempre, eu poderia. Nunca havia visto um corpo tão bem modelado, um sorriso tão bem desenhado, nunca havia visto um coração tão imenso, nem sentido um amor tão indescritivelmente absoluto. Lhe ofereci um sorriso tímido, tentando expulsar meus pensamentos de mim e focar minha atenção apenas nele. O vi se ajoelhar ao lado de meu corpo, as mãos dele, ah, Deus, tão quentes, tão suaves, aveludadas. As palmas se pousaram em meu rosto, e eu voltei àquela sensação. Aquela, de me sentir minúsculo, insignificante e inútil perante à sentimentos tão vastos, tão infindáveis. Eu estava aquecida, eu estava segura. "O que está fazendo aqui, pequena?", o metálico se pousava na maçã de meu rosto, o meu dedo se remexia freneticamente, intencionando reafirmar a idéia de que estava ali e não saíria. A voz dele sempre soava como uma melodia, e eu não pude acreditar em minhas palavras na hora, mas eu acredito agora. A minha resposta era tão verdadeira, a primavera, o setembro, e absolutamente tudo que nos rodeava, nunca mudou. O que eu estava fazendo ali? "Me casando".
Irônica, ao mesmo que sensata, e mais uma vez, apavorante. Hoje, sinto a brisa, a mesma brisa, adentrando pela janela, a janela da nossa casa. Hoje, o vasto campo já não existe, mas há uma bela vista da minha varanda, a varanda da nossa casa. Hoje, o nada virou tudo, e eu já não preciso mais divagar assim. Hoje, o gosto é ainda mais doce, as pessoas são ainda mais irrelevantes e o mundo, bem... O mundo é mundo, mas ainda o melhor lugar para se viver. A aliança se renovou, mas nosso amor continua como sempre foi. E o que eu estou fazendo aqui, nesta cama, nesses lençóis, nesse mundo? "Me casando".
quinta-feira, 26 de novembro de 2009
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