Pode parecer um tanto tosco no início, mas, no final, faz sentido!
Lembro-me bem do dia em que decidi me mudar. Passava horas, dias, semanas em busca de uma boa casa. Uma casa que fosse bem grande, quente, segura e aconchegante para que eu não tivesse que me mudar tão cedo. Então, você apareceu.
A casa que me oferecera era ainda melhor do que eu imaginava. Parecia segura, era bonita, calma e ninguém, além de você, morava por perto. Eu sempre gostei de tranquilidade e silêncio, que mal poderia me fazer?
Assim que me instalei, era só alegria. O clima era ótimo, sol o tempo inteiro; ninguém me incomodava, não devia nada a você e você estava sempre lá. Aliás, você era a única que me visitava e era, também, a única pessoa no resto de toda cidade. Só eu e você, sempre. Eu não precisava de mais ninguém, então não me preocupava em ligar para velhos amigos e convidá-los a minha casa. Aliás, nenhum deles gostava dela; diziam que eu estava apenas me sufocando naquele lugar... Mas eu não concordava e, sabendo que nenhum deles gostava, ficava ainda mais desmotivado para levar a amizade à frente. Adorava sua companhia, suas palavras, seus gestos; até quando ficávamos em silêncio eu gostava. Sua presença já era o suficiente para mim, mas eu ainda recebia mais que ela. Era ótimo, ótimo mesmo! Mas as coisas começaram a piorar.
Os meses foram passando e a casa já não era tão bonita e tranquila como antes. Sua companhia já não era tão agradável e você não guardava sequer uma palavra para você, além das grosserias que você passou a me falar. Não eram frequentes, mas bem marcantes. Começou a me cobrar coisas que eu realmente não podia lhe oferecer, não mais do que eu já oferecia! Você se estressava com isso, gritava, saía dando escândalo e, como se fosse dona da casa – até era, mas estava sob meu domínio – batia a porta forte e simplesmente me trancava.
Isso sempre acontecia: eu te negava algo ou me impossibilitava, você se irritava, gritava, saía, batia a porta e me trancava lá dentro. Ficava meio chateado e prometia a mim que ia me mudar, mas eu não queria deixar você. Éramos só eu e você naquela cidade, como eu poderia te deixar? Você me persuadiu tão bem ao me fazer alugar aquela casa e o seu jeito me encantava tanto que era quase impossível te deixar ali, sozinha. Era algo bem difícil para mim.
O tempo passava e os minutos pareciam horas quando você resolvia me visitar, pedir desculpas. O sentimento que você havia criado dentro de mim estava perdendo o encanto, eu já tinha deixado a enlevação de lado e só abria as portas para você porque alguma coisa, bem, mas bem lá dentro, ainda existia, mesmo que estivesse quase sumindo. Além do fato de você ter a chave e poder entrar no momento em que quisesse, o que facilitava muito as coisas para você, enquanto dificultava muito para mim. Eu não tinha mais minha privacidade, minha tranquilidade. Nem meus amigos eu tinha mais. Toda vez que queria falar com um deles, tinha que fazer uma longa viagem – cuja qual não podia existir sem a sua permissão – e só podia ficar pouco tempo perto deles, pois você exigia um horário. Além de ter cortado a linha do meu telefone, o que me deixou completamente sozinho naquela casa que, por sinal, vinha diminuindo.
Eu não sabia se era o que estava acontecendo de verdade ou se eu estava enlouquecendo naquela senzala adaptada, mas que ela diminuía, de alguma forma, diminuía. Aquele grande e confortável casarão estava virando um dormitório de três metros quadrados para mim. Já estava claro: era tudo por sua causa.
Ser seu inquilino tornou-se uma escravidão. Eu não aguentava mais você e suas ordens, dentro da “minha casa”. Toda vez que eu tentava conversar sobre isso, ainda compassivo em relação a você e ao seu adormecido encanto, que eu tentava despertar, você me interrompia. Levava-me a um assunto do seu interesse e não permitia que eu abrisse a boca.
Uma crítica era quase um pecado para você. Eu tinha que aguentar todo aquele sofrimento de boca fechada, por mais que, dentro de mim, aquela emoção quisesse explodir. Me segurava o máximo que podia, mas sabia que, uma hora ou outra, ele explodiria.
Um dia você chegou aqui, toda alegre. Parecia que havia esquecido da nossa briga da noite anterior, pois agia como se nada tivesse acontecido. Me abraçou, me beijou e conversou comigo por horas. Minha cabeça não estava na conversa; eu só pensava em uma forma de te falar tudo que sentia sem te magoar. Quer dizer, você sempre foi a pessoa mais sensível e irritada desse mundo, mas eu não queria que você ficasse muito chateada comigo. Por mais que eu fosse um completo brinquedo pra você, eu ainda gostava de você. Parecia loucura quando falava para os meus velhos amigos, que estavam tão distantes, mas eu ainda gostava. Não tanto quanto antes, mas ainda existia alguma coisa boa que você me trouxera bem lá no início, quando o seu único plano era me convencer a alugar sua casa.
Mas eu não podia gostar. Não, não de você. Você não me tratava bem da forma que eu tratava você; você era egoísta, queria que eu fosse propriedade sua. Foi quando eu resolvi usar a razão.
Pensando bem pensado, falei tudo. Sim, falei. Lembro-me da sua cara diante de tudo que saía da minha boca automaticamente. Quando eu digo “automaticamente”, falo sério! Eram tantas coisas, tanta dor, tanto rancor guardado no peito que eu mal respirava para falar. Seu rosto foi ficando vermelho, seu olhos começaram a encher d’água e você começou a apertar suas mãos com força, mas eu não parei. Não aguentaria nem mais um segundo trancado naquela casa, sem respirar o ar puro que eu respirava bem antes de cair na sua conversa. Então, você me surpreendeu.
Com lágrimas tomando conta de seus olhos, disse que tudo aquilo era medo. Medo de que, como outras pessoas fizeram, eu a abandonasse naquela cidade, sozinha. Disse que tudo não passava de amor e zelo, porque eu tinha sido praticamente uma bênção na sua vida.
Você exagerava nas palavras como eu nunca tinha visto antes e, ao invés de ficar feliz por finalmente descobrir o porquê de você querer me trancar ali, eu fique com medo. Tudo soava doentio. Como você poderia me dizer que tudo era medo de me perder? Sentasse, conversasse e pronto! Eu não via a luz do sol há dias, estava ficando sem espaço naquela casa que só diminuía e você só me disse isso quase um ano depois?
Sem falar sequer uma palavra, eu simplesmente chutei a porta da frente com todas as minhas forças e saí. Você gritava cada vez mais alto e eu fingia não escutar e, de tanto fingir que não ouvia, acabei sem ouvir, mesmo. Eu finalmente estava livre daquela prisão na qual eu tinha me posto e podia sorrir sem ter medo novamente. Era uma sensação renovadora, algo inexplicável. Uma sensação que eu sabia que só sentiria uma vez na vida e que jamais iria sentir novamente, pois no seu coração, eu não voltaria nunca mais.
segunda-feira, 28 de dezembro de 2009
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