Excretora.

Revoltada e cansada da precariedade de seus textos, uma escritora pensa em inúmeras formas para se castigar suas palavras, que de tão ruins, o atormentam.


As vezes tenho vontade queimar todos meus textos, contos, crônicas, artigos e até mesmo minhas redações escolares, que ficam escondidas do mundo numa caixa amarela dentro de uma gaveta bem fechada. Mas simplesmente não tenho coragem.
Borraria letra por letra de nanquim, ou colocaria sobre o tapete em que minha gata cisma em fazer xixi! Sei lá! É como se me desapegando por completo do que escrevo e penso, me satisfizesse! Imagino a região do meu cérebro responsável pelo desapego, com as bochechas bem vermelhas e batendo as palmas das mãos na cabeça! É como se esse monstrinho queimasse toneladas de arquivos com páginas e mais páginas até não sobrar nada, e depois fosse picotando e distribuindo os pedacinhos pelo restante do meu cérebro, pelas outras partes onde funcionam as outras ações e sentimentos, contente exibindo as quatro fileiras de dentes afiados.
Jogaria pela janela cada palavra, de "sobrancelha" a "desanuvio", satisfeito por nunca mais ter que encará-las ou ouvir os outros dizerem que fui eu que as escrevi! Olhar pelo batente da janela e vê-las, letra por letra, caídas na minha calçada! Torcendo para que não sejam contornadas de giz e me perturbem uma vida até depois de mortas na sarjeta.
Chamaria um capataz e cada uma delas teria um cruel castigo. "Lascívia" teria seu "L" decapitado; "Heresia" queimaria numa fogueira, e eu ficaria contente ao ouvir seus gritos e ver suas cinzas de tinta preta da máquina. Castigaria todas, das mais fáceis como "meia" -que antes de saber escrever achava que seria um verdadeiro bicho de sete cabeças - até as mais difíceis como "PNEUMOULTRAMICROSCOPICOSSILICOVULCANOCONIÓSE", que devoraria letra por letra!
Não é que não goste das minhas palavras, até gosto, remotas vezes, mas é que sou um verdadeira excretora! Domino completamente, sem titubear, a arte de transformar em merda tudo que escrevo!